terça-feira, 15 de maio de 2007

Armagedão...

Morrer lentamente. Estender a mão com o papel fútil e sem reacção. Transpor uma barreira que se recusa a ser transposta à partida – paradoxo que se afirma como acção inválida. Marasmo! Marasmo impingido pelo querer que se nega a aceitar... e lutamos diariamente. Valerá a pena rebaixarmo-nos diariamente e chafurdarmos no lodo da face negra da assitência a outro ser humano? Luvas! Apetrechos de moda ou condição essencial no nosso dia a dia? A luva é o troféu do jogador sem escrúpulos. A luva de massajar as costas! A luva de desafio à antiga. A luva do envelope que carrega no seu interior a dignidade e os princípios ético-morais de quem a promete e entrega. E, na calada da noite, desaparecer e não mais voltar. Esquecer! Denunciar! Grito inquieto por justiça e ética. Vendidos! Todos vendidos! Vontade homicida perante os vendidos! Quando perdemos a dignidade? Evoluímos e na evolução perdemos noção de tudo? A representação estreita de evolução passou da perpetuação da espécie para o egocentrismo da escadaria do sucesso. Espezinhar e ser espezinhado?! Gritamos sozinhos. Um grito na multidão aqui, outro grito noutra multidão e outro ainda numa outra qualquer multidão. Tentamos, mas juntos estes gritos isolados, não passam disso mesmo - grito isolados. Nunca serão múrmúrio audível. Cala-se a voz incoveniente. Destrói-se uma possível realidade alternativa tão necessária à evolução. Deixámo-nos violar pelo capitalismo, pelas hierarquias. Sufocámo-nos! Matámo-nos com a nossa vontade selvagem de sucesso. Auto-sentenciámo-nos à extinção! Este é o Armagedão, o Nosso Armagedão!

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem acabei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é, Atento ao que sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu. Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou. Por isso, alheio, vou lendo Como páginas, meu ser. O que sogue não prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li O que julguei que senti. Releio e digo : "Fui eu ?" Deus sabe, porque o escreveu.
(Fernando Pessoa)

ALONE by Edgar Allan Poe (1830)

From childhood's hour I have not been
As others were; I have not seen
As others saw; I could not bring
My passions from a common spring.
From the same source I have not taken
My sorrow; I could not awaken
My heart to joy at the same tone;
And all I loved, I loved alone.
Then- in my childhood, in the dawn
Of a most stormy life- was drawn
From every depth of good and ill
The mystery which binds me still:
From the torrent, or the fountain,
From the red cliff of the mountain,
From the sun that round me rolled
In its autumn tint of gold,
From the lightning in the sky
As it passed me flying by,
From the thunder and the storm,
And the cloud that took the form
(When the rest of Heaven was blue)
Of a demon in my view.

sábado, 5 de maio de 2007

(não autobiográfico)
...Vi-me em cada um deles e em todos ao mesmo tempo. Não conseguia ver nada. Estaria eu cego pela hipocrisia social? Esperei uma boa meia hora e nada vi. A desilusão de nada ver era na verdade uma alegria. O meu cepticismo tinha razão de ser. A desilusão não era mais do que a confirmação de que estava certo. Não obstante, percebi que aquela angústia não me ia deixar ileso. Mara acreditava naqueles espelhos. Eu não! Como poderíamos continuar se não acreditávamos nas mesmas coisas? Como poderíamos coexistir se percepcionávamos as coisas de forma diferente?
Resolvi dar uma segunda oportunidade àquele trio esotérico. Despi-me. Tirei todas as minhas roupas. Deixei-me ficar assim por um instante. Relaxei. Abri a minha mente. Lembrei-me do bilhete que dizia que os espelhos enganavam o guardião da alma. Sorri. Debrucei-me espelhos adentro. Os meus olhos paralisaram. Tinha começado o transe. Nunca conseguirei explicar o que senti naquela altura. Todo o meu corpo envolveu-se no seu reflexo. O reflexo dominava então o eu do lado de cá dos espelhos. Aquele reflexo era o poder da minha real essência sobre o corpo humano e disciplinado pelo querer do todo social. Entrei numa dormência. Não conseguia mexer uma única fibra muscular do meu corpo. O olhar paralisado do espelho absorvera a minha capacidade de locomoção… apenas a mente fervilhava. Ardia-me o cérebro. A minha cabeça parecia em vias de explodir. Não havia, apesar de tudo, ansiedade ou medo. Nada. Apenas uma calma sedutora ponteada pelos acessos explosivos da minha mente. Depois disso veio uma luz negra brilhante. O que é uma luz negra brilhante? Não sei. Não julguei ser possível. Mas era isso que via. Uma espiral negra que cativava o meu olhar paralisado. O preto brilhante ofuscara-me a mente. Já não haviam explosões. Apenas crescentes de intensidade lúdica. Subitamente a espiral e o meu reflexo desapareceram. Não desapareceu a minha incapacidade móbil. No que era o centro da espiral começaram a aparecer imagens de há muito. Imagens que julgava esquecidas. As imagens eram cenários à minha volta. Eram demasiado reais para serem apenas imagens. Eram recordações salientes. Eram imagens com relevo consciente. Naquele transe percorri toda a minha vida. Sufoquei nas lembranças da minha gestação. Atravessei as fases descritas por Freud. Eram reais as fases. Não eram apenas mais uma teoria. Compreendi o meu falhanço ...
...seus lábios. Nos espelhos apenas os seus lábios ternos e ao mesmo tempo devassos pelo beijo de néctar. Não conseguia ver a sua cara. Não conseguia ver o seu corpo. Apenas uns lábios que pairavam naquela espiral negra que começava a desaparecer. Estaria a minha lição aprendida ou a espiral negra apavorara-se com a luz do dia alto, que entrava com coragem janela dentro? Doíam-me os músculos. Nada mais natural. Permanecera paralisado durante horas a fio. O transe transformara-me num homem estátua. E da mesma forma que um homem estátua, não manifestei a mínima reacção. Não mexi um só músculo externo. Penso que até o meu coração diminuiu a intensidade dos seus batimentos. Naquele transe a energia fluíra naturalmente, remetendo para segundo lugar o bombear mecânico daquele órgão.
Calei os espelhos. Calei a minha consciência. Optei por não me manifestar sobre o que vira. A espiral negra engolira consigo o meu maior segr(m)edo...

Máscaras! Subjugação Social!

...decidiu acabar a aventura com o senhor Amado. Chamou-lhe desabafo sentimental e partiu numa nova descoberta. Seria Jacques agora o seu mundo? Não sabia e de certo modo esperava nunca obter resposta a esta pergunta. Alex era agora feliz. Parecia feliz. Tinha descarregado a carga que transportava e sentia-se um verdadeiro homem por isso. Tinha razões para tal. Perdera a sua máscara ou pelo menos havia-a tornado mais transparente. Ninguém perde completamente a máscara que usa. Limitamo-nos apenas a deixar algum espaço que acolhe a luz freneticamente de forma dissimulada. As máscaras que escolhemos usar no dia-a-dia, prendem-se com o tempo ao verdadeiro rosto. Passam a ser tão próximas que se confundem. Alex não libertara a sua máscara, portanto. Limitara-se a deixar que alguém olhasse para uma parte do rosto que levara uma vida inteira a esconder.
As máscaras são um símbolo gigantesco da condição humana. Fazem parte de todas as culturas e assumem papéis de destaque nos mais variados rituais. No nosso actual quotidiano foram remetidas para a festa pagã do Carnaval. Essas são as máscaras que alguns não podem ter. As máscaras de todos os tempos são a camuflagem que cada um usa para esconder a sua verdadeira essência, como consequência directa da competitividade de quem vive em sociedade. As máscaras que escondem a verdadeira essência não são apenas psicológicas. Até as roupas são uma máscara no mundo superficial em que vivemos. Podemos ser um nojo, mas se estivermos bem vestidos conseguimos entrar nos sítios considerados de mais elegantes e “exquisit”. Superficialidade e futilidade. Talvez as grandes máscaras sociais do nosso tempo. Os rituais ditos civilizados já não conseguem passar sem estas máscaras. A superficialidade, a futilidade, a falsidade e o cinismo são máscaras impingidas por um todo e ai daquele que se atrever a erguer a sua voz bem alto para condenar estes princípios! Os princípios que são máscaras, são também uma necessidade atenta e inata na nossa evolução. Estas máscaras chegam a ser de tal forma unas com o rosto inicial, que quem as usa acredita ser feliz. Na sua imensa pequenez acreditam ser felizes. O ridículo a que chegámos. Ouvir dizer uma das chamadas “tias”, em pleno horário nobre televisivo, que os livros de etiqueta e boas maneiras deviam ser obrigatórios. Ri-me à gargalhada. Tão “tias” e tão badaladas e no fundo tão pobres de espírito. E existem pessoas que as seguem, como se a sua vida dependesse disso. Ainda mais pobreza de espírito. Vivemos num país pobre. É natural. A pobreza de espírito favorece as grandes diferenças sociais. De um lado os mentores da pobreza de espírito, abastados e convictos que um brasão lhes confere um lugar no plano superior, do outro os seguidores ingénuos – pobres de espírito e de carteira. A meu ver os primeiros ocupam o plano mais inferior de todos na condição humana, pois subjugam os outros a uma condição de inferioridade inexistente nos planos superiores. Não me admira nada que a criatividade brote naturalmente das classes inferiores. Os revoltados têm a seu lado o trunfo da pergunta constante, sendo como tal o expoente máximo da criatividade. Muitos poderão considerar que também existem excelentes criativos na classe superior. Pois existem! O marketing social ainda funciona no nosso país, em virtude da pobreza espiritual...